Um Agradável Problema: Nosso Ciopal Burocrático de Controles do BC é Herança de Crises Cambiais Hoje Superadas

Por Roberto Campos


Deve desintervir. O influxo de dólares, após a estabilização, numa economia fechada porém não desprovida de oportunidades, é fenômeno esperado. Ocorreu no Chile, México e Argentina.

Os instrumentos para administrar esse agradável problema são: a liberalização das importações, a desregulamentação do câmbio e a privatização.

Se o Brasil quiser absorver capitais para investimento direto terá de aumentar importações, porque somente assim se transferem recursos reais do exterior. A antecipação das reduções tarifárias do Mercosul é correta nesse sentido.

É útil também aumentarmos a demanda de dólares, não por compras do Banco Central (que, se intensas, provocariam expansão monetária, e, se tímidas, provocariam especulação), mas pela desregulamentação. São obsoletas as restrições a investimentos brasileiros no exterior, a depósitos e contratos em moeda estrangeira, à compra de divisas para viagens e à aplicação direta de fundos estrangeiros em Bolsa.

Os mercados cambiais estão hoje globalizados. Nosso cipoal burocrático de controles do BC é herança das crises cambiais do passado, provocadas pelos choques de petróleo e pela moratória da dívida externa, problemas superados.

Com a privatização, parte do dinheiro que entra poderia converter-se em ações de estatais sem pressionar a base monetária. A rigor, vínhamos fazendo o contrário do Chile. Este fixou o prazo mínimo de permanência para capitais financeiros de curto prazo, e escancarou as portas para investimentos diretos na compra de estatais.

As exportações, hoje prejudicadas pela valorização do real, devem ser estimuladas por outros meios não artificiosos. As opções são: a desburocratização das exportações, a desgravação fiscal, a privatização dos portos e o financiamento à exportação.

O governo age corretamente ao prometer isenção da Cofins e do PIS para os exportadores e alívio no IPI. É velha a mania brasileira de tentar exportar impostos, inviável num mundo competitivo. A redução dos custos portuários exigiria mais vigor do governo na implementação da reforma portuária, que aboliu o monopólio dos sindicatos na contratação da mão-de-obra.

A receita, em suma, passa pela redução dos custos dos exportadores, e não pela melhoria artificial de sua receita por via de desvalorizações cambiais que realimentam a inflação.

A próxima etapa, afastado o perigo de Lula (o qual provocaria maciça fuga de capitais) deve ser a livre conversibilidade da moeda. Isso obrigaria o governo a se autodisciplinar ainda mais rigorosamente que pelo simples anúncio de tetos de expansão monetária. E fortaleceria a confiança no real.

No restante, o governo tem de aproveitar o momento mágico da lua-de-mel eleitoral, nos primeiros cem dias do novo governo -para obter do Congresso as reformas estruturais. Só assim alcançaremos o desenvolvimento sustentado.


Roberto Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento no governo de Castello Branco.

O Real e a Realidade

Por Roberto Campos


O tempo de discutirmos o Plano Real, infelizmente, já se esgotou. Estamos agora diante da realidade. E não há como embelezá-la com perguntas: e se tivesse sido assim, ou assado? O país se defronta com uma inflação intolerável, que não é mais possível ir levando com jeito. E não há alternativas viáveis para o plano de FHC, nem lazer para pensá-las. Infelizmente, a maneira pela qual as coisas foram conduzidas criou graves falhas. A começar pelo fato de que um plano, propriamente dito, não existe. Existe um cheque em branco dado pelo Congresso para o governo fazer algumas coisas e chamá-las de plano. Há algumas idéias econômicas expostas parcialmente ao Congresso e ao público. O esquema era simples: dar alguma flexibilidade de recursos ao governo, acertar o passo dos agentes econômicos, para todos marcharem na mesma URV e, depois, decretar o real como moeda estável, eliminando a correção monetária. Não se definiu a natureza da “âncora”. Haverá total concentração do poder regulatório da moeda em mãos de representantes do Executivo, vale dizer, do presidente. E nem bem anunciados, os máximos de emissão de moeda previstos na MP já começaram a ser “flexibilizados”. E este é, no momento, o ponto crucial. Um “currency board” composto de especialistas faria sem dificuldade o controle. O Executivo poderá fazê-lo, hoje?

Lamentavelmente, não se realizaram as precondições básicas para uma estabilização. Não se fez a reforma fiscal –e havia dois projetos bons, que até agora não compreendo porque diabo de cálculo de política miúda não foram utilizados. Governo não fez a privatização, que teria sido a mais urgente e importante. O governo paralizou-a, confundindo as expectativas dos agentes econômicos, mostrou falta de firmeza com as gastanças estatais, ameaçou os empresários com violências e controle de preços e, por outro lado, acena com aumentos salariais. Isso é tentar apagar a fogueira inflacionária com gasolina. Não culpo o FHC –ele não só é um homem inteligente e bem intencionado como, quando ministro das Relações Exteriores, pôde ver, envergonhado, como no mundo sério, lá fora, nossa demagogiazinha rasteira é considerada coisa de país de segunda classe.

O tempo que sobra não só é mínimo, como estará sendo ocupado por eleições gerais de consequências imprevisíveis. Mas o Plano Real pode funcionar, pelo menos o suficiente para fazer retornar a esperança do público –se o governo aguentar firme, e se o público o exigir para valer– porque isso inibiria as pressões gastadoras de políticos e sindicatos. As inadequações do Plano Real poderão ir sendo corrigidas, mais adiante.


Roberto Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento no governo de Castello Branco.

A Constituição-Saúva: Como Disse Lobato da Saúva, ou o Brasil Acaba com Essa Constituição ou Ela Acaba com o Brasil

Por Roberto Campos


“Nada há de errado com o Congresso em Washington, exceto o pessoal que está lá” — (Booth Tarkington, sobre o Congresso americano)

O melancólico caminho da revisão constitucional afinal começa a assustar a opinião política do país. Um dever sério e nobre estaria, como diz o povo, acabando em pizza. Várias propostas de convocação de uma assembleia revisora exclusiva já foram apresentadas dentro e fora do Congresso por personalidades respeitáveis como o senador José Sarney, o deputado Delfim Netto, o economista Luís Nassif e o jurista Ives Gandra Martins.

Quanto mais penso nisso, entretanto, mais me parece um caso de intenções postas a perder por ilusões. A ideia de uma Constituinte expressamente eleita para o fim exclusivo de votar uma Constituição parece, à primeira vista, uma solução atraente. Um grupo de homens ilibados, de alto nível intelectual, animados do mais acendrado patriotismo – de que mais se precisa para formar uma augusta assembleia?

Mas que pessoa no seu juízo normal se candidataria a uma eleição, com todos os custos e desgaste que isso implica, apenas para ficar seis meses em ação e, depois da dissolução da assembleia, voltar para a sua vida de antes? E que responsabilidade poderia sentir essa gente sabendo que, mal terminado o seu trabalho, este poderia ser modificado pelo Congresso propriamente dito?

O dinheiro para as eleições teria de vir de alguma parte. Seria uma campanha tanto mais difícil quanto inevitavelmente se sobreporia, dentro de uma faixa comum de tempo, às eleições regulares – no caso, as mais complexas levadas a cabo no país.

E em quê uma eleição – semelhante, na mecânica, a todas as outras – haveria de distinguir os pró-homens exemplares dos xiitas, militantes esquerdistas e dos aventureiros e lobistas, que provavelmente seriam bem mais atraídos por essa única oportunidade de mexer nas regras do jogo do que pelo penoso trabalho do cotidiano parlamentar?

Compreendo a impaciência de muitos diante do péssimo desempenho do Legislativo na revisão constitucional – e o receio de alguns diante das possíveis reações da opinião pública no pleito que se aproxima. A atual Constituição já foi experimentada cinco anos: como disse Monteiro Lobato da saúva, ou o Brasil acaba com essa Constituição ou ela acaba com o Brasil.

O primeiro grande erro foi exclusivamente do governo. Como já havia sido feito ao tempo de Sarney, o governo não enviou ao Congresso um texto para ser examinado – sob o mesmo pretexto de não interferir no processo da elaboração da Lei das Leis.

Ora, em nenhum país medianamente civilizado se costuma redigir uma Constituição “de baixo para cima”, por agregação de partes. O procedimento racional universalmente seguido consiste em ter-se primeiramente um texto preparado por um grupo de especialistas de alta qualificação, depois submetido ao Legislativo e, conforme o caso, apresentado ao referendo popular.

É, aliás, escrúpulo curioso da parte do atual governo, porque o anterior havia submetido ao Congresso em 1991 o “Projetão” e o “Emendão”, propostas ambas sensatas e trabalháveis.

Em nenhuma democracia o governo pode furtar-se de um papel de liderança. É da própria regra do jogo. Todos os parlamentos são divididos pela variedade de forças neles representados, ao passo que o Executivo tende a representar o conjunto de forças dominantes.

E, francamente, os últimos governos têm-se devotado com espontânea alegria à edição de medidas provisórias, uma faculdade típica dos regimes parlamentaristas, onde a correspondente rejeição acarretaria a queda do governo e a formação de outro. Neste nosso pindorama surrealista, o governo não cai – reedita.

Em segundo lugar, o governo potenciou a sua responsabilidade ao insistir na emenda às Disposições Transitórias que criou o Fundo Social de Emergência, por conta de um plano de estabilização até agora não precisamente definido. O Congresso aprovou tudo, num raro ato de fé neste nosso mundo sem crenças. A discussão sobre a URV atrapalhou as atividades por mais um bom tempo –com o resultado final de que a dita pode ser mais ou menos qualquer coisa que o governo queira.

Por fim, a CPI do Orçamento acabou por tomar um tempo excessivo por uma variedade de razões e, com isso, fez o jogo das esquerdas corporativas, que querem encobrir um escândalo muitíssimo maior de desperdício e mau uso dos dinheiros públicos nas estatais.

Ainda assim, a revisão poderia ter sido feita se as forças majoritárias não houvessem cedido aos “contras”, que pretendiam dar à sua oposição ideologizada um caráter de verdadeiro direito de veto. Numa democracia, as minorias têm direito de voto e não de veto. Infelizmente, não há nada de novo nisso. Grupos radicais e de interesses conseguem parar a vontade da maioria parlamentar que, por definição, representa, ela própria, a “maioria silenciosa”.

Tem havido uma progressiva deterioração da qualidade dos constituintes. Os de 1946, uma grei excelsa. Os de 1967, bastante razoáveis. Os de 1988, um desastre. Isso reflete várias coisas. Brasília desencoraja pessoas que detestam vazios culturais; é visível a deterioração de nosso nível educacional. Mas o fator mais importante, de resto positivo, é que saímos de regimes elitistas para entrarmos na democracia de massa. Foi nas eleições de 1986 que pela primeira vez 52% da população votou. Enquanto não se elevar o nível cultural médio do “povão”, não há porque esperar um Parlamento de sábios.

O Congresso Nacional está longe de ser perfeito, mas ele espelha afinal os contrastes da sociedade brasileira. Nele não escasseiam idiotas, mas, como dizia o vice-presidente norte-americano Hubert Humphrey, boa parte da população é idiota e merece ser bem representada. Mas o Congresso não é “o” culpado pela crise institucional. Tem a sua parcela de responsabilidade como os demais Poderes e como todos os eleitores.

No total, demonstrou uma rara coragem, cortando na própria carne, sob a pressão de uma opinião pública açudada até o paroxismo do linchamento. Mas a ideia da assembleia revisora “exclusiva” que reflete intenções sérias pode acabar levando a urgência a superar a prudência, e agravando a enfermidade que se quer curar.


Roberto Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento no governo de Castello Branco.

A Moeda Hermafrodita

Por Roberto Campos


O Plano FHC apresenta várias falhas genéticas no tratamento da moléstia inflacionária:

* Só trata da procura, ignorando medidas de expansão da oferta.

* Prefixa um objetivo inadequado: o déficit zero. O país precisa de um superávit operacional (ou da privatização de estatais) para reduzir o estoque da dívida interna e baixar os juros.

* Propõe um remendo fiscal, que se auto-intitula Fundo Social de Emergência. Urge uma reforma fiscal que encaminhe soluções duradouras.

* Nada diz sobre a reforma da Previdência Social, o que torna pouco crível o déficit zero, pois o sistema está em situação falimentar.

* Deixa intactas no sistema tributário três funestas sobretaxações: a das empresas, a da mão-de-obra e a dos equipamentos. Isso alimenta a inflação de custos e deprime a oferta. Relega para um futuro indefinido as reformas fundamentais de desregulamentação e privatização, sem as quais a estabilização é inviável.

Essa combinação de remendos tributários, terrorismo fiscal do dr. Osiris Lopes, secretário da Receita Federal, e invenção da URV está longe de constituir um programa de estabilização. Certamente haverá uma expansão da economia informal, algum efeito recessivo e um amortecimento temporário da inflação.

O governo gastou enorme capital político e energia operacional para obter a emenda constitucional que criou o Fundo Social de Emergência. Teria alcançado, a meu ver, resultados estruturalmente mais convincentes se usasse esse poder de fogo para acelerar a tramitação no Congresso de projetos fiscais simplificadores, como o do deputado Luís Roberto Ponte. E se concentrasse esforços na abolição do monopólio de telecomunicações que, segundo pesquisas recentes, é rejeitado por dois terços do Congresso. Exerceria enorme impacto psicológico desinflacionário, se começasse a vender em Bolsa ações de controle da Light e da Vale do Rio Doce, fazendo caixa para o Tesouro e abrindo espaço para o setor privado. Pois o problema não é financiar o Estado, e sim reduzir o Estado.

Nunca entendi a passional concentração de neurônios na descoberta de um novo indexador –a URV. Desconhecidas suas características e regras de conversão, a incerteza dos agentes econômicos atingiu um grau de paroxismo, que explica as remarcações preventivas. Paralisaram-se investimentos. Os agentes econômicos desviaram energia da atividade produtiva na ânsia de emigrar para ativos menos expostos aos caprichos intervencionistas. Os indexadores são instrumento de medida; não são instrumentos de cura. Queixávamo-nos da ORTN, que indexava pelo passado. Criou-se a TR, para indexar pelo presente. Será que a URV nos vai indexar pelo futuro?

A URV só será confiável se estritamente atrelada ao dólar. E a dolarização, ela própria, só é confiável se acompanhada de uma regra de emissão: o governo ficaria, como na Argentina, proibido de emitir, exceto segundo a variação das reservas. Isso implicaria dar-se independência ao Banco Central, ou, melhor ainda, criar-se um enxuto “currency board”. Este seria responsável exclusivamente pela estabilização de preços, sem qualquer outro objetivo ou responsabilidade. Isso nos traz de volta ao velho problema. Sem um superávit fiscal ou privatização maciça, o governo não pode renunciar ao poder de emitir.

O BC tornou-se devasso emissor e construiu em Brasília um suntuoso palácio da inflação. Seus presidentes declararam-se homens de confiança dos ministros da Fazenda. E seu funcionalismo hoje lidera a inflação de custos salariais do setor público…

A percepção dos agentes econômicos é que o Brasil não aprendeu ainda o fundamental sobre o controle da inflação. Sem dúvida, aprendemos alguma coisa desde o Plano Cruzado: o déficit fiscal é importante e os controles de preços são perigosos. Mas isso é pouco.

O que a URV fará é permitir uma administração cosmética melhor da febre inflacionária. Os índices visíveis de inflação baixarão sensivelmente à medida que a URV ficar atrelada ao dólar e o BC queimar reservas para segurá-lo. A consequência será uma retração das exportações, um dos poucos setores ainda dinâmicos da economia.

Algumas condições certamente são mais favoráveis do que na época do Plano Cruzado, do qual somos alunos repetentes. As reservas cambiais são mais robustas e a situação fiscal bem mais administrável. Por isso o experimento FHC pode durar tempo suficiente para criar um clima eleitoral adequado para o PSDB, o partido das indecisões unânimes, da mesma forma que o Plano Cruzado deu vitória ao PMDB, trazendo-nos a seguir a moratória de 1987 e a Constituição leprosa de 1988.

Teremos pela proa alguns eufemismos. Não se fala mais em tabelamento de preços e sim em supervisão dos oligopólios. Estes são a última adição à nossa demonologia: antes eram os trustes do petróleo, o polvo canadense, o FMI e as multinacionais. Ainda não chegou o tempo de reconhecermos que o verdadeiro demônio é a Casa da Moeda. E os vice-demônios os monopólios estatais.

O paradoxal é que os economistas monetaristas hoje acreditam que o problema brasileiro é insolúvel sem reformas estruturais, como a realocação de tributos e funções entre a União e subunidades federativas, a reforma previdenciária, a privatização, a desregulamentação e maior abertura internacional. São os antigos estruturalistas que hoje acreditam num macete monetário, como o atrelamento dos preços à URV e desta ao dólar. A URV me parece um produto hermafrodita. É um misto de indexador assexuado e moeda nova transitória.

E o Brasil? Ora, o Brasil continuará sendo aquele país que tem um grande futuro no seu passado…


Roberto Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento no governo de Castello Branco.

Um País Anedótico

Por Roberto Campos


Sim. O que houve de positivo foi uma bolha de crescimento, o auto-expurgo do Legislativo e o saldo comercial de US$ 13,5 bilhões. Mas a inflação quase dobrou, a privatização se desacelerou, os dinossauros estatais continuam vorazes e o país se tornou cada vez mais anedótico, entrando para o livro “Guinness” dos recordes como uma média de 4,4 ministros por mês.

O crescimento, infelizmente, não é sustentável pois é difícil planejar investimentos com uma inflação de 2.567% ao ano. O auto-expurgo do Legislativo é saudável, desde que se tirem as conclusões corretas. A corrupção do Orçamento e das empreiteiras não é apenas uma depravação conjuntural e sim uma deformação estrutural. O principal motivo é o excessivo tamanho do governo, que faz com que muitas empresas não possam sobreviver sem as boas graças do Leviatã. Um segundo motivo é a falta de concorrência, por causa das reservas de mercado. Um terceiro motivo, que justifica os sobrefaturamentos das empreiteiras, são os crônicos atrasos de pagamento do governo.

Cassar mandatos de congressistas ou botar uma dúzia de empresários na cadeia satisfaz temporariamente os reclamos de justiça. Mas a corrupção voltará se não aplicarmos um tríplice remédio:

— Redimensionamento do governo, pela privatização e desregulamentação;

— Abertura à concorrência internacional, exatamente o contrário do que se está fazendo em telecomunicações;

— Pontualidade do governo, que gosta de antecipar impostos e postecipar pagamentos.

Mas o grande desapontamento do ano foi o frouxo programa de estabilização, conceitualmente pobre e politicamente desenxabido. Conceitualmente pobre, porque ataca apenas o déficit operacional, cuja cura estancaria o fluxo da dívida; mas deixa intacto o estoque da dívida, mega-passivo só eliminável pela venda de mega-ativos do governo. Baseia-se o plano numa sobrecarga fiscal de uma estrutura podre, que remenda em vez de reformar.

O corte de gastos é corajoso, se comparado ao primeiro Orçamento de 1994, mas embute um aumento de gastos sobre o Orçamento executado este ano. Sem uma reforma básica da Previdência Social, que contemple inclusive sua privatização, os rombos orçamentários ressuscitarão com rapidez. Parece que nos tornamos viciados na lógica do absurdo.

É absurdo votar qualquer remendo fiscal antes das emendas constitucionais que eliminem monopólios estatais, porque um Estado menor permitiria reduzir-se a extração fiscal. É idiotice falar-se na modesta carga fiscal de 24% do PIB, porque o PIB relevante é o do setor privado, pouco mais de metade do PIB total.

Itamar é a favor dos monopólios estatais, mas admite que Fernando Henrique queira privatizar ou pelo menos flexibilizar. Com um comandante que não ultrapassou o nacional-populismo dos anos 50, e um imediato obrigado a pregar hoje as doutrinas que ontem condenava, é escasso o perigo de melhorar.


Roberto Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento no governo de Castello Branco.